domingo, 24 de julho de 2016

Nosso entrevistado, Lauro Cesar Muniz!

Foto Reprodução Internet

Texto: jornalistas Helena Vitória e Joannes Lemos

Novelas, os capítulos do sucesso. Pela sua trajetória, o blog “euemeusamigosimortais” pretende trazer luz às muitas tramas assistidas ao longo da carreira deste autor. Paulista de Ribeirão Preto, nosso entrevistado revolucionou a teledramaturgia brasileira com suas superproduções, abrindo espaço no vídeo para a redescoberta dos traços mais marcantes de nossa brasilidade. Um autor inventivo que foi essencial para a reconfiguração do gênero novelístico nos anos sessenta. Em suas tramas, Lauro reitera sem compromisso com a inovação e se esmera em experimentações bem sucedidas. É fato que a dramaturgia representa uma dupla revolução na televisão brasileira e isso foi e tem sido muito bom porque estamos sempre em evidência no Brasil e no mundo, uma vez que a telenovela nacional ganha cada vez mais o mercado internacional. E a evolução não para. Um dos mais respeitados novelistas, escritor e dramaturgo  do país, que traz em sua bagagem uma coleção de sucessos assinados, como Carinhoso (1973), Corrida do Ouro (1974), Escalada (1975), O Casarão (1976), Espelho Mágico (1977), Os Gigantes (1979), Roda de Fogo (1986), O Salvador da Pátria (1989), Chiquinha Gonzaga (1999), Cidadão Brasileiro (2006), Poder Paralelo (2009) e tantas outras grandiosas produções.
Nosso objetivo é fazer com que você conheça um pouco mais da trajetória deste gênio da arte de contar histórias. Apreciem!

1. Blog: Em 1963, a peça teatral "O Santo Milagroso", trouxe uma maior projeção em sua carreira. Anos depois, em 1966, estreou sua primeira novela "Ninguém Crê em Mim", na extinta TV Excelsior. Mas o boom das telenovelas só veio com “Beto Rockfeller”, de Bráulio Pedroso (com supervisão de Cassiano Gabus Mendes). Como foi traçar teu caminho dramatúrgico meio a outros nomes também promissor escrevendo sobre o gênero?

Lauro Cesar Muniz: “O Santo Milagroso” é minha estréia (1963) em produções profissionais. Antes eu havia participado com peças em Festivais de Teatro amadores e estudantis. Ganhei prêmios nesses festivais como autor, o que me incentivou muito a tentar a carreira como dramaturgo, abandonando minha carreira de Engenheiro.

2. O mercado das artes cênicas está cada vez mais competitivo, até porque hoje têm-se mais concorrências do formato. Em sua opinião, ainda é fundamental que profissionais tenham sólida formação teatral para interpretações consistentes na
televisão e no cinema?

Sem dúvida! As novelas evoluíram muito, o teatro brasileiro é de excepcional qualidade há muitos anos! O Teatro exige que os atores sejam muito bons! A fase romântica das experiências já passou! As telenovelas ganharam muito com a conquista dos atores do teatro. Não há mais lugar para aventureiros (as) como em outros tempos. Não basta um rosto bonito ou físico muito atraente para interpretar um personagem na TV. Hoje é importante a qualidade artística. O público reconhece um grande ator ou atriz! 

3. Na época em que foi veiculada a novela Escalada (1975), acreditou-se, que pelas criticas de alguns colunistas que, por intermédio dela, tabus foram quebrados. Em sua opinião, a grande conquista da TV nas décadas de 60 a 80 ficaram marcadas por conta das telenovelas?

Com certeza! A televisão brasileira cresceu muito com as telenovelas a partir do início da década de 1960. A Televisão Excelsior foi a responsável pela grande guinada. A TV Globo, mais tarde, absorveu o elenco artístico da TV Excelsior, cujos diretores fundadores foram vítimas do golpe militar de 1964.
A novela Escalada, exibida em 1975 pela TV Globo, contribuiu bastante, segundo a imprensa especializada da época para a renovação das novelas iniciada na década anterior com Beto Rockfeller de Bráulio Pedroso. 

4. Enquanto Escalada estava no ar, o secretário geral do ministério da educação, referiu-se e qualificou as telenovelas como produções de alto nível técnico mostrando o caminho da aceitação da atividade cênica para a maioridade invulnerável. Acredita que tal afirmação soou como uma profecia para a futura dramaturgia?

Espero que sim! Não me cabe julgar meu próprio trabalho. Mas senti grande apoio.

5. Analisando suas obras, podemos observar uma miscelânea de tipos e estilos, pois você escreveu novelas com comédia (Zazá), policialescas (Poder Paralelo), suspense (Máscaras), política (O Salvador da Pátria), além de minisséries de época (como a elogiadíssima Chiquinha Gonzaga). Assim, percebe-se que você não é autor de um estilo só. Como se dá seu processo de criação?

Para fazer uma obra completa no gênero “telenovela” é necessário ser eclético. A Repetição em apenas um gênero pode causar cansaço. Escrever comédias como Zazá era muito salutar. Eu me divertia antes do público. E depois recebia a resposta, o eco dos sorrisos dos telepas (chamávamos assim os telespectadores, nos anos 1970). A novela que me deu mais alegria foi “O Casarão” onde eu consegui criar uma arquitetura narrativa, intercalando várias épocas, sem que tivessem propósito de flashback. A novela era narrada em três épocas simultaneamente: 1900 a 1910 – 1926 a 1936 e atualidade (1976).
Do livro: Lauro César Muniz solta o verbo de H. Basbaum: sobre O CASARÃO:
A história de O Casarão começava na passagem do século, no reveillon, do XIX pro XX. Quando chega num determinado ponto, salta para o presente e daí para a década de 20. Escolhi 1926 a 1936, porque são anos muito ricos da história do país. Em 1929 houve a crise do café, em 1930 a revolução, 32 o movimento constitucionalista em São Paulo, em 1934 a constituinte outorgada pelo governo, e em 1937 com o Estado Novo.
Os três períodos estavam ligados por personagens de uma mesma família, cinco gerações da mesma família da juventude à maturidade, à velhice, que habitavam o mesmo casarão. Outras personagens que não pertenciam à família também apareciam, algumas atravessando duas ou três épocas.
O Daniel Filho se espantou diante de minha proposta, mas ficou fascinado. Bancou a ideia para o horário das 8. Muita coragem dele! Conseguiu entusiasmar o Boni, iríamos fazer uma novela complexa no principal horário da emissora. Era um grande risco, um desafio, mas tanto o Daniel como o Boni trataram a novela com especial carinho. A visão que eles tinham da telenovela naquele momento, permite entender porque o Daniel e o Boni foram os homens mais importantes para o desenvolvimento e qualidade da Telenovela Brasileira, estimulando no horário das 8, o horário central, o carro chefe da emissora, uma história com uma estrutura tão especial, uma história tão arrojada. Acho que o Boni se deu conta de que seria preciso fazer um outro tipo de investimento, um investimento em qualidade com risco.

6. Em 1997, na novela Zazá, você criou o primeiro personagem soropositivo em uma telenovela brasileira, que ganhou vida com a atriz Adriana Londoño. Qual a importância do merchandising social em uma telenovela?

A telenovela brasileira atinge milhões de brasileiros (estima-se em mais 40 milhões numa novela de sucesso). É natural que temos uma obrigação de discutir os problemas mais importantes de cada época. E a AIDS era uma ameaça terrível e desconhecida da grande população. Era importante que um gênero com tanta penetração na população discutisse a gravidade da infecção, a forma de evitar os contatos de risco e acompanhar a luta de uma personagem contra o flagelo.  Deu excelente resultado a personagem de Adriana!

7. Apesar de ter escrito tantas histórias diferentes para TV, cinema e teatro, faltou alguma a ser apresentada ao grande público?

Falta aquela peça teatral que ainda pretendo escrever, antes de fechar a coleção de Obras Completas. Meu editor Alex Giostri sabe que terei ainda um livro a acrescentar à bonita coleção de teatro que ele lançou há três anos. 

8. Algumas de suas novelas foram adaptadas em outros países, como Trampas y Caretas (versão de Transas e Caretas) na TV chilena. Como é ver seu trabalho sendo reconhecido no exterior?

Nossas novelas viajam o mundo através das produções das emissoras de televisão. Mas há também os países interessados em comprar os originais para suas próprias produções. Foi o caso de Trampas y Caretas na TV Chilena.

9. Ter escrito para as grandes mídias, o aproximou mais do público que eternizou o teu nome, ou em algum momento da carreira sentiu-se ou o fizeram sentir-se vaidoso?

Na verdade, minha amiga Helena, o grande público não fixa muito o nome dos autores, mas sim dos intérpretes. Tenho consciência de que quando parar de escrever para a TV ou teatro, somente os historiadores saberão quem sou eu. Não há, nesse contexto realista, lugar para a vaidade.

10. Qual o conselho daria para novos ou já firmados talentos nessa roda viva que é a dramaturgia?

Para os jovens autores de teatro em geral aconselho a introspecção, a busca interior, para sentir quais os temas que possam despertar suas paixões. Na televisão, dada a fantástica “platéia”, é preciso olhar mais para fora, analisar mais socialmente nosso país, nosso mundo, nossas expectativas. Quanto ao cinema, pertence ao Diretor. O roteirista serve às expectativas do diretor.


Nos três gêneros de arte e comunicação há um dado fundamental: o conhecimento da técnica dramatúrgica. É específica, tem elementos sem os quais não surge o fenômeno da comunicação (palco – platéia, vídeo – telespectador).